quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

O ranting dos outros

O episódio do corte no rating atribuído a Portugal pela Standard & Poor’s lembra-me o que Carlo M. Cipolla, um historiador italiano, escreveu sobre a apreciação que dois colegas anglo-saxónicos fizeram ao comportamento dos mercadores venezianos na época das cruzadas.

Segundo estes historiadores, os colonos cristãos instalados nas terras conquistadas aos infiéis eram terrivelmente explorados pelos mercadores venezianos.

Comentando esta veredicto, Cipolla escreve no (hilariante) livro Allegro ma non tropo, que se holandeses, alemães ou ingleses tivessem feito o mesmo, seriam “apontados nos manuais de história como exemplos admiráveis de ética protestante e estimáveis campeões de protocapitalismo”.

E remata, dizendo, que “tratando-se simplesmente de italianos, foram definidos como exemplos deploráveis de avidez e falta de escrúpulos comerciais”.

Há muita gente que argumenta que a História é escrita por pessoas que têm a tendência a favorecer o lado que é mais forte e que esta é, não bastas vezes, influenciada por estereótipos culturais modernos.

Só não suspeitava era que os tais ratings, que avaliam o risco de uma nação não cumprir com os seus compromissos futuros, feitos por pessoas totalmente insuspeitas e altamente qualificadas para tal (historiadores anglo-saxónicos?), pudessem sequer transpirar a suspeição do mesmo enviezamento cultural.

Sinceramente não sei o que dizer. É que após me informar que Portugal, a Espanha a Grécia e a Irlanda terem visto o seu rating descer, fiquei a saber, via Público, que “Alguns dos países que mais estão a sofrer com a crise financeira internacional, como os EUA e o Reino Unido, mantêm o valor máximo inalterado”. Mas afinal de contas para que serve o rating?

11 comentários:

ViP disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
DelhiVoice disse...

Como já antes se falou, as agências de rating não serão tão isentas quanto desejável. Se é verdade que não se reviram os ratings das economias americana e britânica, então é caso para dizer que estamos a ser levados. Estamos refiro-me às outras economias, como Espanha, Portugal ou Irlanda.
Por culpa dos ratings, diz-se que os empréstimos para estes países se tornarão mais caros. Ou seja, por esta via torna-se a recuperação mais lenta e difícil. A quem interessa? Aos americanos? Talvez seja mesmo isto.

DeKuip disse...

Ontem soube através de comentários na blogosfera que o rating da Islândia, um país agora muito na berra (pelas piores razões), estava em AAA um dia antes deste país ter declarado bancarrota... É apenas mais uma notícia, mas diz qq coisa sobre estes ratings...

GreenFlag disse...

A questão é sempre a mesma e já foi discutida na sequência do post do Olho de Vidro "Rate me", salvo erro: as agências de rating são sociedades privadas, financiadas, em grande medida pelos seus patrocinadores, na maioria dos casos, entidades financeiras que "criam" produtos que necessitam bons "ratings" para terem sucesso. Logo, as agências não podem dar uma má classificação a produtos dos seus patrocinadores.
PROVOCAÇÃO: vamos supor que um grande patrocionador (via publiciade, por exemplo) de uma qualquer associação de defesa dos consumidores tem um diferendo grave com os consumidores. A actuação da associação será a mesma como se se tratasse de uma entidade não patrocinadora?
O problema para o público em geral, mesmo o que tenta estar mais informado é perceber as conexões que existem para além daquilo que aparece nas notícias.

DeKuip disse...

Concordo com os posts. O tema já foi abordado pelo Olho de Vidro. Mas numa perspectiva um bocado diferente. É a que fala nos vícios que eventualmente existem entre aquele que paga, em última análise, o rating - uma empresa privada ou banco - e aquele que faz o rating. Tudo bem. Mas nos últimos dias têm-se falado de países e não de empresas privadas. Aí é lícito dizer-se que há o mesmo tipo de vícios"cliente que paga" - "empresa que avalia"? Não sei. O que me parece que há é, acho eu, um certo preconceito sobre certos países. Infelizmente há certos países que não basta ser, é preciso parecer ser e há outros em que basta parecer ser...

Olho de Vidro disse...

Sim, de facto ser do sul da Europa é uma verdadeira treta. Depois de anos de interação profissional com pessoas de paises do norte, posso-vos dizer que a tendência deles para a burrice e a asneira é só marginalmente inferior. A grande diferença, essa sim é bem grande, é a atitude quando a asneira acontece: nós ficamos com esse sentimento de culpa tão católico; eles ficam na boa com a sua postura calvinista. Sim, de facto o preconceito é uma coisa lixada!!!

E uma correcção ao carissimo DeKuip: Cipolla não é "um economista", é O ECONOMISTA, especialmente em história económica.

DeKuip disse...

Concordo a 100% com o Olho de Vidro. Eu escrevi historiador, mas suponho que o comentário se mantanha na mesma: será O Historiador.

Olho de Vidro disse...

Tou cheché...

DelhiVoice disse...

A avaliação à capacidade de endividamento e cumprimento da dívida é a base dos ratings. Tendo trabalhado numa seguradora de crédito, os critérios passavam pela análise deste item na contabilidade. Estender este critério para as Economias nacionais pode ser discutível. Que dados contabilísticos entrarão nesta análise?
Mas o que se tem visto é uma aparente dualidade nas avaliações, e é isso que se questiona?
Quanto a envolvimentos entre empresas e associações de consumidores, aquilo que se poderia concluir (ou tentar) fica à partida posto de parte, pois nenhuma associação recorre a publicidade, pois, como o nome indica, são associações e os sócios é que "pagam".

GreenFlag disse...

Peço desculpa pela má utilização da terminologia. Publicidade em empresas detidas, parcial ou totalmente, por associações de defesa dos consumidores. Com publicações distribuídas aos associados das associções e que têm publicidade. Peço desculpa por não me habituar a estas ligações, tipo SGPS, em que ninguém consegue perceber muito bem quem faz o quê e quem detem o quê.

DelhiVoice disse...

A que publicidade te referes? Pelo que pode ver-se, não há publicidade.