quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

To cut a long story short

Há uns dias atrás ouvi, já não sei bem onde, alguém aludir ao que se passava na faixa de Gaza como a “Guerra dos 1000 anos”. Sim, leu bem, mil anos. Não dez, nem cem, como na guerra entre a Inglaterra e a França, mas mil. Não será, bem vistas as coisas, tendo em conta o mundo em que vivemos, um exagero? Talvez, especialmente se pensarmos única e estritamente nos conflitos entre o Estado de Israel – nascido em 1948 – e os seus vizinhos. No entanto, a expressão toma outro significado se quisermos com ela referirmo-nos à longa história de atritos entre o mundo dito “ocidental” e o mundo árabe.

Quem ler o livro “As cruzadas vistas pelos árabes”, de Amin Maalouf, fica, penso eu, com as ideias mais arrumadas em relação a esta questão. A primeira cruzada dos Franj – designação dada pelos árabes à imensa turba de cristãos ocidentais que participou nas oito ou nove expedições contra os infiéis islâmicos -, teve lugar em 1096. Jerusalém, cidade santa para muçulmanos, judeus e cristãos, foi tomada pelos fanáticos e fervorosos Franj em 1099.

Antes da sua chegada, era hábito considerar Jerusalém como um lugar especial, onde as variadas confissões religiosas podiam conviver pacificamente independentemente de quem a governava ou conquistava. Os Franj, pelos vistos, foram os primeiros a quebrar esta tradição. Após a conquista da cidade, muçulmanos, judeus e até cristãos (ortodoxos) foram chacinados pelos novos senhores da cidade.

O livro de Amin Maalouf revela outras coisas que, surpreendentemente, encontram um paralelismo com o que se passa na actualidade. A primeira é a de que o mundo árabe da altura, à semelhança dos dias de hoje, era profundamente dividido. Não só entre Xiitas e Sunitas mas também por causa das inúmeras lutas internas que existiam sempre que existia um vazio de poder (normalmente quando falecia o líder).

Talvez mais importante de tudo, o livro fez-me pensar na sorte que tenho em viver num mundo onde a democracia e a separação entre o Estado e a Igreja são dados adquiridos. Serão mesmo condições necessárias para uma qualquer comunidade poder aspirar a viver num clima de paz duradoura.

Sim, porque o denominador comum entre os cruzados cristãos de ontem e os cruzados islâmicos de hoje é o haver uma mistura entre religião e interesses privados. Entre desejo de poder e valores de uma religião. Entre a Fé e o desejo de conquista física.

E agora que os soldados de Israel estão em casa, o que há a dizer em relação ao conflito na fiaxa de Gaza? Talvez que, infelizmente, não haja a possibilidade de atalharmos e dizermos algo como to cut a long story short, os israelitas responderam aos rockets do Hamas, e o Hamas apenas defendeu o seu povo do embargo promovido por Israel... Não, não é possível. É que isto tudo foi mesmo mais um capítulo de uma história muito, muito longa.

1 comentário:

GreenFlag disse...

Tive oportunidade de ler um outro livro de Amin Maalouf, Identidades assassinas (creio que de 1998) após o 11 de Setembro e a intervenção no Afganistão. Fi-lo aconselhado por um grande amigo, da esquerda (como quase todos os meus melhores amigos) defensora da teoria da agressão ocidental aos muçulmanos. E tirei as minhas conclusões. Nomeadamento do enviezamento natural da abordagem que aliás colhe grande simpatia na Europa. Posso mesmo dizer que o livro é cativante se o lermos com os olhos do autor. O problema destes ensaios é que os olhos dos autores nem sempre vêem o mesmo que os nossos olhos. Já agora, nas lutas cristãos vs muçulmanos, não esquecer a a "cruzada" que foi a reconquista cristã na Península Ibérica.