quarta-feira, 22 de julho de 2009

Comparação entre a crise actual e a Grande Depressão de 1929

A comparação entre a actual crise económica e a Grande Depressão é um dos temas que tem suscitado algum debate nos media e na blogosfera. Neste contexto, é possível encontrar as mais diversas opiniões, gráficos e análises que apoiam as mais variadas conclusões sobre, por exemplo, a extensão e a gravidade da recessão económica que atravessamos.

Há de quase tudo para quase todos os gostos. Se não concordam, vejam os dois gráficos seguintes. O primeiro, que pode ser acedido aqui, num site de dois reputadíssimos economistas, parece apoiar a ideia de que a recessão actual é pior do que a enfrentada em 1929.

Já neste gráfico, retirado daqui, de um site menos reputado, a história é exactamente a oposta: o efeito da Grande Depressão, uma vez mais aferido através do comportamento do mercado de capitais, foi mais poderoso do que o efeito provocado pela crise económica acual.


Confusos? Não há razão para isso.

Isto porque um gráfico e a sua apresentação tem muito que se lhe diga. Assim, não nos devemos esquecer de que o que estamos a ver (e a comparar) são duas séries temporais diferentes: uma "oferece" dados mensais, a outra dados diários; uma tem como base de partida da Grande Depressão Junho de 1929, a outra Setembro de 1929; uma fala em World Stock markets a outra no índice Dow Jones, outra tem como base de partida da actual crise Abril de 2009, a outra inicia a série num período de tempo mais alargado, a partir de Outubro de 2007 (i.e., no pico do índice)... E assim por adiante.

Todas estas nuances podem ter importância no aspecto visual final dos gráficos. De qualquer forma, poder-se-á argumentar que mesmo que estas nuances alterem o aspecto numérico do gráfico, a análise qualitativa ou de tendência geral que se extraem dos mesmos é una e inalterável. Afinal de contas estamos a analisar as mesmas realidades socias! Ou não é assim?

Sim, são as mesmas realidades sociais. O problema é que os instrumentos que usamos para as definir não estão isentos de subjectividade. Um exemplo: a escolha das bases de partida das crises económicas é algo que é deixado ao critério do autor dos gráficos. É algo subjectivo, pelo que a simples mudança de base de partida pode, em séries temporais como as que são acima retratadas, originar aspectos visuais dos gráficos e conclusões completamente diferentes... Enfim, um gráfico e a sua apresentação tem muito que se lhe diga.

Para mim parece-me óbvio que se pode lucrar com a discussão sobre este tema, podendo retirar-se ensinamentos da crise de 1929. Especialmente no que se pode extrair através da comparação das diferenças entre as duas crises e no que toca à condução da política económica. Ben Bernanke, o actual presidente do FED, é tido como um especialista sobre o período da Grande Depressão, sendo esta característica por vezes apontada na comunicação social como determinante para a rapidez e a agressividade das medidas de política monetária adoptadas sob o seu mandato.

No entanto, penso que fazer-se coisas como previsões sobre a duração ou a gravidade da actual crise tendo como medida-padrão a crise de 1929, é um exercício que deve ser feito com muita cautela e – como o exemplo dos gráficos acima mostra – com a ideia sempre presente de que serão sempre subjectivas.

É que, caso não o façamos desta forma, estamos sujeitos a ouvir que, como foi referido aqui, Comparing 1929 to 2008 is a bit like comparing a Model T to a 2008 Chevy: They're both cars, but that doesn't mean they're both the same."

1 comentário:

Olho de Vidro disse...

Sem dúvida, estas comparações são engraçadas, mas pouco podem acrescentar à análise da crise. Como todo bom (ou até fraco) economista sabe, a apresentação dos números da economia é feita através de índices e indicadores, que são construídos de muito diversas formas.

Mais uma prova de que esta crise nada tem a ver com a do 29: durante o 1º semestre de 2009 o sistema de Segurança Social espanhol teve ainda um saldo positivo. Isto garante o pagamento das prestações por desemprego e das reformas. Aliás, a caixa da Segurança Social acaba por contribuir (modestamente) para a redução do défice das contas públicas. Como é evidente, em 1929 este tipo de mecanismos não existia, e neste momento pode-se dizer que a gestão e capitalização adequada destes sistemas de redistribuição está a ajudar a manter níveis de rendimento familiar que com o sistema económico de 1929 simplesmente.
Como seria a crise sem sistemas robustos de redistribuição? Sem dúvida, muito pior…

Junto o link para a notícia no El Mundo, para não existir suspeita:
http://www.elmundo.es/mundodinero/2009/07/28/economia/1248767388.html